Ronaldo Fenômeno: Vaidade de vaidades


A melhor tradução para esse desabafo do pregador seria: "tudo é ilusão; névoa de nada". Eclesiastes é a expressão clássica do tédio profundo, a anatomia do absurdo, a fotografia do vazio. É o olhar que enxerga na vida o que fica oculto sob pesada maquiagem. É o gosto amargo que se disfarça no açúcar desvairado da poesia.

Jean-Paul Sartre, em seu livro "A Náusea" define bem esse sentimento na fala de um personagem: "O domingo que passou deixou um gosto de cinzas. (...) O vento traz de longe o barulho de uma sirene. (...) Eu, vago sozinho pela cidade vazia, como uma tropa de um homem só". Névoa, nada, ilusório, transitório, inútil... Isso é a vida sem disfarces.

"Perdi para o meu corpo". Essa foi a frase de Ronaldo. Gênio da bola que aposentou-se em meio a um turbilhão de sensações. Fotógrafos, jornalistas, emissoras de tv do mundo inteiro acotovelando-se em busca de registrar o inevitável: a gente perde para o corpo! O nome disso é: tempo! Eclesiastes capítulo três disseca bem essa quimera. O tempo é implacável. Ele joga mais do que qualquer Ronaldo...

Quando assisti a entrevista do "Fenômeno", observei cuidadosamente a mistura de sensações: lágrimas, sorrisos, flashes, silêncio, explicações... Tentativas pífias de driblar o óbvio: perdemos para o tempo. Apelidamos essa batalha perdida com vários eufemismos: aposentadoria, tempo para refletir, descanso merecido, férias... Dói saber que o tempo rasga a página da história em que nossos nomes envelhecem. Pálidos, tomamos a frente em arrogância infantil: "resolvi parar". Será?

Uma certeza tenho: o Eclesiastes é meu. Fala pra mim. Abala minhas bases. Perco para o meu corpo. Perco para o Tempo. Perco porque perdas fazem parte essencial da pedagogia da vida. O fim de uns é o começo de outros. O ciclo da existência passa pela estação do renascimento. Não tenho a ilusão de durar para sempre. As cortinas que se abrem, também se fecham.

Uma chave é virada na fechadura da história: durmo "fenômeno" num dia, acordo "ex" no outro. Às vezes, domingos ganham o sabor nervoso da segunda-feira.

"Vaidade de vaidades, tudo é vã-idade".

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